Revolução Química


Thomaz Wood Jr.

Deu na revista The Economist: “Preparem-se para drogas que vão melhorar a memória, a concentração e o aprendizado”. Se os ingleses escreveram, deve ser coisa séria. A linha lógica é irretocável. As fontes são irrepreensíveis. Há milhares de anos, buscamos substâncias para melhorar nossa mente e nossa resistência. Tentamos de tudo: folhas, raízes e qualquer coisa que pudesse ser mastigada, cheirada ou injetada. No século passado, cadeias produtivas complexas se organizaram em torno das mais diversas substâncias legais e ilegais. Na ponta da produção: a motivação das grandes margens de lucro. Na ponta do consumo: o inconformismo com as restrições da mente humana.

Agora, além dos guerrilheiros colombianos, das gangues mexicanas e dos senhores feudais afegãos, os grandes laboratórios farmacêuticos também prometem nos liberar de nossos restritos limites. As novas drogas atendem pelo nome de cognition enhancers, ou drogas que melhoram a cognição. Segundo The Economist, as novas drogas atuam nos processos neurais relacionados a atividades mentais, tais como atenção, percepção, aprendizado, memória, linguagem, planejamento e tomada de decisão. Citando fontes científicas, a revista britânica revela que pesquisadores estão trabalhando em mais de 600 drogas para o tratamento de distúrbios neurológicos. Nem todas chegarão aos estágios finais de desenvolvimento e de comercialização, mas é razoável supor que um bom número delas estará nos próximos anos nas prateleiras das farmácias, trazendo inegáveis benefícios para os doentes e despertando a cobiça dos não doentes.

Oficialmente, elas estão sendo desenvolvidas para tratar os efeitos do mal de Alzheimer, os Distúrbios de Déficit de Atenção, o mal de Parkinson e a esquizofrenia. Entretanto, é certo que o uso não vai se limitar aos doentes. Como em outros casos, a mão invisível do mercado, com a providencial ajuda de gerentes de produto, unirá a “boa vontade” dos grandes laboratórios à voracidade consumista das hordas populares.

Ainda que a nova revolução química seja primariamente focada nos consumidores individuais, os grandes laboratórios, provavelmente, encontrarão nas aplicações corporativas um valioso nicho de mercado. O impacto das novas drogas sobre a vida nas empresas não é difícil de imaginar. Dentro de 10 ou 15 anos, as gerências de recursos humanos serão ocupadas majoritariamente por médicos. Eles distribuirão ansiolíticos fartamente a todos os executivos, facilitando jornadas diárias de 16 horas, sem ansiedade ou estresse. Medicamentos de efeito direto sobre os neurotransmissores serão usados para aguçar o foco e a concentração, características inexistentes nas diretorias das empresas de Pindorama, o que facilitará a realização de atividades hoje raras, como o planejamento estratégico. Executivos indecisos e gerentes inertes receberão drogas especialmente projetadas para aguçar sua capacidade de tomar decisões. Procurados por empresas estatais e órgãos públicos, fabricantes se mobilizarão para atender a gigantescos pedidos, em regime de urgência.

Além de impactos sobre os indivíduos e sobre a gestão das empresas, as novas drogas provocarão grandes mudanças sobre as escolas de negócios e as empresas de consultoria. Para tentar sobreviver, elas estabelecerão parcerias com os grandes laboratórios e com as escolas de medicina. As fábricas de MBAs perderão pouco a pouco sua função e as aulas serão substituídas por pílulas de supressão da criatividade para gerentes de produção, drágeas de embotamento ético para especialistas em finanças e xaropes de indução de bipolaridade para executivos de marketing. As aulas de recursos humanos serão substituídas, com vantagens, por tratamentos com Florais de Bach. Igualmente ameaçadas, as empresas de consultoria tentarão substituir seus administradores por médicos e psiquiatras. Clientes depressivos, que se acham vítimas eternas do mercado e do governo, receberão poderosos estimulantes. Empresas envolvidas no passado em grandes falcatruas receberão drogas para inibição de memórias ruins, tornando seus funcionários mais felizes e produtivos. Paradoxalmente, as empresas-cliente concluirão que não precisam mais de consultores ou de MBAs, mas apenas de bons convênios farmacêuticos. Com isso, as fábricas de atores e a indústria do conselho entrarão em depressão. Neste caso, não haverá droga capaz de salvá-las.

Nota do autor: esta coluna não foi escrita sob o efeito de drogas de melhoria da cognição. Portanto, este escriba não se responsabiliza pela qualidade das previsões aqui registradas, fruto de sinapses aleatórias e neurotransmissores descontrolados.

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